sábado, 4 de maio de 2013

A ARTE DE SER FELIZ

A arte de ser feliz 

 
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

                                                                                                     CECILIA MEIRELLES

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Suely Firmani apresenta...

Há poesia no barulho de qualquer lugar.
Ela se encontra nos ouvidos de quem é
Poeta de zizuns, tanstan, razás, querqués
Que por sarro qualquer coisa usa para rimar.

Há poesia nos sons insólitos da rodovia,
Da mata, da cotovia, da lata, da padaria.
Aos que ouvem atentos a qualquer grunhir
De que fazem musica, melodia para sentir.

Se cai uma pedra na água que espirra
Ou se um fruto maduro não se agüenta.
Se algum grito inoportuno se inventa
Na madrugada escura longa e friorenta

Haverá uma poesia feita na piscina,
Outra no pomar de mangas e caquis,
Haverá poesia no escuro da pracinha,
Ou debaixo do cobertor que está aqui.

Haverá poesia na briga de qualquer casal,
As rimas é que bem se devem resguardar
Ao dizer coisas como: ouviu, ponto ou tu,
Combinar tudo certinho pode acabar mal.

Mas a poesia se faz e refaz no perdão dado,
No perdão recebido e sem delongas inúteis,
Pois a poesia quer invadir os abraços,
Aproximar os lábios ávidos e táteis.

Há poesia no barulho de qualquer lugar,
Ou mesmo até na decisão de silenciar
O poeta, a poesia, o amor, a padaria
A rodovia, o mar, o pregador a proclamar.

Mário Coutinho